RODA DO DESTINO (2021): O rigor e o espontâneo

Ryusuke Hamaguchi concilia a formalidade de sua direção com a imprevisibilidade das cenas

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Apesar de Roda do Destino possuir três histórias aparentemente independentes, é possível encontrar um tema comum que percorre o longa de Ryusuke Hamaguchi. Além de serem narrativas sempre envolvendo uma ideia de encontro e acaso, em todas as histórias apresentadas uma pessoa acaba performando um papel durante alguma situação.

Na primeira, um diálogo íntimo entre duas mulheres revela que uma delas fingia desconhecer o novo namorado da amiga. Na segunda, uma personagem tenta enganar um professor com o intuito de uma vingança, porém é frustrada. E, na terceira, em que isso ainda fica mais evidente, uma mulher confunde uma estranha com uma ex-namorada, porém as duas reencenam um encontro como se não houvesse qualquer engano.

Assim como em Drive My Car (2021), o diretor constrói dramas comoventes ao mesmo tempo que reflete sobre a condição da atuação.

O que mais chama atenção no filme é como as situações, por mais que se utilizem de diálogos muito longos, conseguem manter o espectador sempre atento. Cada uma das histórias preserva uma continuidade tanto dramática como técnica muito precisa.

O tom da performance do elenco se mantém em um equilíbrio e uma crescente muito minuciosa enquanto que, na decupagem, nenhum plano soa exaltado, todos os planos se conectam um ao outro de modo muito natural.

Uma das maiores qualidades de Ryusuke Hamaguchi, que nesse longa é bastante visível, é a sua capacidade de fazer filmes rigorosos em que as ações soam espontâneas. Toda a cobertura das cenas da decupagem de Roda do Destino é nitidamente muito controlada (os planos são fixos e com composições precisas) enquanto que o elenco possui uma dinâmica que beira o imprevisível.

Muito do que nos prende nos diálogos é, justamente, essa imprevisibilidade, é o modo como cada situação toma rumos muito específicos. Nesse sentido, o cineasta concebe um equilíbrio muito bem pensado entre o rigor de sua abordagem formal e a espontaneidade que o elenco demonstra. Uma harmonia entre as ações dramáticas impulsivas e uma formalidade meditativa da câmera que acompanha aquilo.

Um rigor que está presente não só na dinâmica dos enquadramentos fixos e no ritmo gradual da montagem que intercala os planos com uma destreza muito natural, mas também nos cenários e espaços.

Existe uma contraposição dramática muito minuciosa entre o que é encenado pelo elenco e o local em que eles se encontram. O diretor se utiliza de aspectos arquitetônicos, ou mesmo de adereços da direção de arte, que se opõem às situações narradas.

O escritório envidraçado em que as janelas têm a mesma textura das telas dos iMac passa uma sensação de frieza, porém o casal que ali discute no primeiro segmento do filme está com as emoções à flor da pele. A sala do professor universitário, uma espécie de muquifo pouco atraente, é o tema de um conto erótico na segunda história. E o espaço de uma casa, um ambiente doméstico e familiar, serve como reencenação de uma lembrança amorosa da juventude.

Essa oposição, em teoria, poderia afetar a força do texto. Porém, justamente por propor esses possíveis deslocamentos espaciais, os diálogos ganham ainda mais força. Como os cenários não tendem a dialogar diretamente com a cena, eles se transformam em um pano de fundo que remete a uma espécie de palco simbólico.

Locais que até possuem uma identidade e elementos particulares que chamam a atenção, porém acabam sendo ressignificados pelas conversas que ali se passam. Sendo assim, o maior talento do diretor está em não apenas construir grandes cenas com seu elenco, mas em transformar qualquer ambiente banal no palco de um acontecimento dramático.

Estamos diante de uma grande mise-en-scène clássica não porque seu autor reflete de modo gritante os comentários dramáticos em sua construção formal, mas, justamente, em como o cineasta integra tais acontecimentos de modo muito expressivo na simples identidade cotidiana daqueles espaços.

Roda do Destino não é um filme que celebra as banalidades da vida, mas sim um filme que demonstra como essa banalidade permanece inseparável de qualquer grande momento dramático.