O que é VIDEOARTE?

Após o surgimento de tecnologias de gravação em vídeo mais acessíveis a partir dos anos 60, alguns artistas passaram a se utilizar do vídeo formato como um meio de expressão. A videoarte, em essência, é uma obra que se utiliza do vídeo como um suporte artístico. Geralmente, as obras de videoarte possuem aspectos experimentais e não narrativos.

Nesse artigo, você vai conhecer tanto algumas características básicas desse formato como também algumas obras essenciais da videoarte.

.
PELÍCULA x VÍDEO

Antes da popularização das câmeras de vídeo, as câmeras disponíveis no mercado filmavam apenas em película, o que tornava o processo caro e trabalhoso. Era necessário comprar a película, captar as imagens, revelar o filme em um laboratório e só depois montar o filme. Além da própria película ser cara, o processo de revelação e telecinagem (digitalização das imagens) também não era barato ou prático.

A partir da introdução das fitas magnéticas utilizadas nas câmeras de vídeo, as imagens gravadas podiam ser editadas ou exibidas na hora. A revelação do filme não era mais necessária. Desse modo, a tecnologia do vídeo foi, aos poucos, sendo incorporada por artistas visuais e cineastas.

Como o vídeo ainda possuía uma resolução muito baixa quando surgiu, ele não foi adotado por Hollywood ou pelo cinema tradicional, que continuou produzindo filmes em película. Porém, vários cineastas experimentais e artistas visuais adotam o vídeo como um meio de expressão já nessa primeira fase

.
O QUE É VIDEOARTE?

A videoarte pode ser definida como uma forma de cinema experimental produzida em vídeo. Mesmo assim, alguns teóricos propõem distinções temáticas e formais entre a videoarte e o cinema experimental. A videoarte, segundo alguns autores, usa mais elementos plásticos e abstratos, enquanto o cinema experimental ainda usa elementos do cinema, como atores e cenários.

Tramas do Entardecer (1943)

Tramas do Entardecer (1943), de Maya Deren, é um filme experimental, mas possui personagens, figurinos, locações, entre outros elementos do cinema.

Obras de videoarte como Beatles Electroniques (1969), de Nam June Paik e Jud Yalkut, lidam com aspectos mais pictóricos da imagem e não possuem elementos convencionais do cinema.

Porém isso é apenas uma convenção. Vários trabalhos, inclusive, fogem dessa possível regra.

.
UMA OBRA DE TRANSIÇÃO

Em 1963, Wolf Vostell filmou uma televisão com interferências e usou essa gravação como forma de expressão artística. A obra, filmada em película, foi chamada de Sun in Your Head.

Sun in Your Head (1963)

Nela vemos rostos na tela que vão se transformando em formas abstratas. Vostell fez o filme em película, mas utiliza uma estética ruidosa, uma estética que remete a uma ideia de interferência que é bastante característica da videoarte.

No final dos anos 60, o diretor converteu essa película para vídeo e passou a exibir o trabalho como videoarte. Sendo assim, Sun in Your Head pode ser visto como uma obra de transição entre o cinema experimental produzido em película e a videoarte

.
SONY PORTAPAK

A videoarte está relacionada com o lançamento de uma câmera da Sony, a Portapak. Essa foi a primeira câmera portátil de vídeo do mercado. Já existiam câmeras de vídeo nessa época, mas eram enormes e isso impossibilitava seu uso doméstico.

Uma das possíveis origens da videoarte pode ser datada, mais especificamente, em 1965, quando o artista sul-coreano Nam June Paik usou uma câmera Portapak para filmar o Papa Paulo VI em Nova York. No mesmo dia, o artista exibiu a gravação em um café. Isso evidenciou a ideia do playback instantâneo, que não acontecia antes com câmeras que filmavam em película.

Nam June Paik já era um artista interessado em formatos experimentais de arte em geral, porém, quando o vídeo surge, ele passa a se dedicar mais a explorar a relação entre arte e tecnologia, tornando-se um dos videoartistas mais conhecidos do mundo.

.
BEATLES ELECTRONIQUES (1969) – Nam June Paik, Jud Yalkut

Nessa obra, Nam June Paik, juntamente com Jud Yalkut, se apropriou das imagens de uma apresentação dos Beatles na TV e as distorceu usando um sintetizador. O som do vídeo é uma composição experimental de Ken Werner, que alterou uma música dos Beatles em um looping.

Beatles Electroniques (1969)

Os autores subvertem o lado apelativo comercial dos Beatles tanto visualmente como musicalmente, já que transformam a apresentação da banda em uma experiência abstrata. A imagem ganha várias camadas em uma espécie de montagem vertical que acumula detritos e outros ruídos visuais.

Em um gesto simbólico, os artistas rejeitam o apelo comercial televisivo. Isso pode ser visto como uma crítica à relação passiva do espectador com o que passa na TV.

.
THREE TRANSITIONS (1973) – Peter Campus

O artista Peter Campus propõe, nessa obra, o que seria algo como três autorretratos conceituais usando as possibilidades do vídeo.

No primeiro, ele grava as próprias costas rasgando um papel e projeta a imagem de uma outra câmera, que grava o outro lado do cenário, sobre as suas costas. Criando a impressão de que ele está rasgando o próprio corpo. Depois, o artista atravessa o buraco que abriu.

Three Transitions (1973)

No segundo, ele passa uma tinta azul em sua face e usa o efeito do chroma key no próprio rosto, criando uma segunda camada de sua própria figura. No terceiro, ele também usa o chroma key para projetar sua imagem em uma folha e queimá-la, como se estivesse destruindo a própria imagem.

Esse vídeo reforça uma tendência importante da videoarte: a relação do formato com a performance.

.
VERTICAL ROLL (1972) – Joan Jonas

Vertical Roll é um clássico da videoarte que também reforça essa relação com a performance. No vídeo, a artista Joan Jonas exibe em uma TV trechos de uma de suas próprias performances.

Vertical Roll (1972)

O sinal da TV cria um efeito de interferência que repete os planos em um formato vertical e, de algum modo, Joan Jonas sincroniza algumas ações da performance com esse efeito visual. Ela repensa a própria performance a partir desse ponto de vista, desconstruindo a representação de seu corpo.

.
MARCA REGISTRADA (1975) – Letícia Parente

Letícia Parente pode ser considerada uma das pioneiras da videoarte no Brasil. A artista trabalhava com pintura, fotografia, gravura, entre outros formatos. Nos anos 70, ela passou a se utilizar do vídeo.

Marca Registrada é um dos seus trabalhos mais marcantes e uma obra emblemática na história da videoarte brasileira. No começo do vídeo, vemos os pés da artista caminhando. Ela se senta, coloca linha em uma agulha e borda a frase “made in Brasil” na planta do próprio pé.

Marca Registrada (1975)

É interessante pensar que, embora seja uma performance, o trabalho possui uma ideia de decupagem. No início, um movimento de câmera segue a ação de Letícia sentando e, logo depois, o plano se fecha no seu pé.

O vídeo inteiro, então, passa a ser registrado por esse plano mais fechado em que não é possível que se veja o rosto da artista, reiterando essa falta de identidade como uma escolha estética. Quando Parente borda a frase “made in Brasil” em seu pé, faz uma possível crítica a arte como um produto cultural.

.
A VIDEOARTE E A PERFORMANCE

A partir dos anos 70, a videoarte passa a dialogar muito com a performance.

Em alguns casos o vídeo é utilizado apenas como uma forma de registro de uma performance, mas em outros os artistas apresentam uma concepção visual mais específica nessa captação.

Os trabalhos de Letícia Parente e Joan Jonas não são apenas registros de performances, mas apresentam uma noção de decupagem bastante específica. As artistas compõem planos (no sentido cinematográfico), cada uma ao seu modo, como parte da unidade estilística dos trabalhos.

.
CHOTT EL-DJERID (A PORTRAIT IN LIGHT AND HEAT) (1979) – Bill Viola

Outro artista essencial para a história da videoarte é Bill Viola. O norte-americano produz obras que exploram aspectos cognitivos da relação entre as imagens e o espectador. Além disso, alguns de seus trabalhos possuem uma abordagem visual e um ritmo contemplativo que remete a algumas tendências do cinema contemporâneo.

Chott el-Djerid (A Portrait in Light and Heat) (1979)

Em Chott el-Djerid (A Portrait in Light and Heat), Viola grava paisagens em um deserto com uma câmera de vídeo em planos muito abertos. Pela forma que os elementos das imagens refletem a luz, as paisagens ficam distorcidas e causam um efeito de miragem. Em um momento o artista grava pessoas ao longe e, devido a tal distância, as pessoas se transformam em pequenas manchas se movimentando.

A falta de nitidez do vídeo e a relação entre luz e calor nas paisagens criam um efeito impressionista. Viola, de certa forma, questiona os limites da imagem. Ele coloca a câmera no limite da captação e mostra como ela reage a isso. Essa, no fim das contas, é uma das principais características da videoarte e do cinema experimental em geral: testar os limites da linguagem.

.
DEREK JARMAN

Nos anos 80, os videoclipes musicais tornaram-se populares. A estética desses clipes, em vários casos, dialoga com a da videoarte e do cinema experimental.

The Queen Is Dead (1986)

Alguns cineastas experimentais até passam a trabalhar com bandas e músicos, como é o caso de Derek Jarman. Mesmo que tais trabalhos não fossem todos filmados em vídeo, eles se utilizam de abordagens estéticas característica da videoarte. Quando trabalhou junto com os The Smiths, Jarman usou efeitos de vídeo em imagens filmadas em película. O artista constrói colagens, usa o stop motion e faz fusões, elementos que remetem a tradições da videoarte.

.
FIORUCCI MADE ME HARDCORE (1999) – Mark Leckey

Em Fiorucci Made me Hardcore, Mark Leckey se utiliza de outro processo comum em algumas obras de videoarte: a apropriação de imagens. Nessa obra, o artista usa imagens de arquivos de pessoas dançando em discotecas e festas nas décadas de 70, 80 e 90.

Fiorucci Made me Hardcore (1999)

O vídeo começa em uma festa disco dos anos 70 e termina em uma rave dos anos 90. Leckey propõe um retrato puramente visual e sensorial dessas gerações e desse tempo histórico, visto que não existe nenhuma narração ao fundo das imagens. Apesar da obra contar com trechos de músicas e efeitos sonoros, o vídeo se utiliza muito bem da força visual do material apropriado.

.
JE VOUS SALUE, SARAJEVO (1993) – Jean-Luc Godard

Alguns trabalhos do francês Jean-Luc Godard também possuem elementos que remetem a estética da videoarte. Uma de suas obras mais impactantes, o curta Je Vous Salue, Sarajevo, é construído a partir de uma foto da Guerra da Bósnia que vai sendo reenquadrada.

Je Vous Salue, Sarajevo (1993)

Ao fundo dessa imagem, o diretor reflete sobre as definições de arte e cultura, além de fazer analogias entre a guerra e a vida. O modo Godard se utiliza de uma única foto apropriada para construir um discurso subjetivo remete tanto a aspectos da videoarte como também do filme ensaio.

.
YOU, THE WORLD AND I (2010) – Jon Rafman

Nas últimas décadas, a internet possibilitou um acesso sem precedentes a vídeos e imagens de diferentes origens. A partir disso, vários artistas trabalham com apropriação de imagens usando a internet como principal fonte. You, the World and I, de Jon Rafman, é um curta feito com material do Google Streeet e imagens em 3D. Enquanto paisagens desoladoras passam na tela, a voz de um homem, ao fundo, fala sobre uma ex-namorada que ele tenta encontrar através do Google Street.

You, the World and I (2010)

O roteiro cria uma narrativa dramática que se apropria de imagens virtuais e do próprio ambiente da internet. Apesar desse trabalho, em teoria, ser uma obra de ficção, ele se utiliza de elementos gráficos que remetem a videoarte.

.
VIDEOARTE E CINEMA EXPERIMENTAL

É difícil diferenciar, hoje em dia, a videoarte do cinema experimental. A videoarte é, por essência, produzida em vídeo, mas não deixa de ser uma forma de cinema experimental já que, em última análise, é uma obra audiovisual que propõe uma experimentação com a linguagem.

Síndromes e um Século (2006)

Como atualmente boa parte dos filmes, incluindo grandes produções de Hollywood, são gravadas em vídeo de alta definição, toda essa distinção pelo formato se torna ainda mais relativa.

Por isso é interessante entendermos o contexto histórico da videoarte e conhecermos algumas se suas principais obras. A partir desse conhecimento, conseguimos entender certas convenções e métodos desse formato.