Ao tentar simular o olhar de Wes Craven, o novo filme da franquia soa como o resultado de um algoritmo
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CRÍTICA COM SPOILERS
Pânico (2022) é o quinto filme da icônica franquia e o primeiro que não é dirigido por Wes Craven.
Iniciada em 1996, a série de filmes marcou um momento histórico no slasher por propor reflexões sobre o próprio gênero. Entre um misto de paródias, renovações narrativas e comentários conceituais sobre a natureza do terror e do próprio cinema, Wes Craven se tornou um grande mestre do slasher autoconsciente.
O cineasta já havia iniciado essa proposta metalinguística com o talvez não tão celebrado O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger (1994), porém foi com a franquia Pânico que sua marca como um autor conceitual se tornou realmente definitiva.
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O META TERROR
Uma das maiores tendências do cinema de terror contemporâneo, e não só do slasher, continua sendo a sua relação nostálgica com o passado e o seu interesse por propor reflexões diretas sobre o próprio gênero.
Seja com uma abordagem paródica mais assumida, como Terror nos Bastidores (2015), seja com uma nostalgia mais sóbria, como em Corrente do Mal (2014), ou seja, ainda, como um dispositivo que beira o megalomaníaco como em O Segredo da Cabana (2011).
Em todas essas obras, é possível perceber um gosto por comentários sobre os apelos históricos que marcam o gênero.
É claro que chega um certo ponto em que um gênero, ou subgênero do cinema, perde a sua inocência. Qualquer slasher, lançado hoje, automaticamente será, também, um filme sobre o slasher. Dado o contexto histórico e o modo como essas premissas povoam outros imaginários audiovisuais (de séries de TV a publicidade), é impossível retornar a uma ingenuidade inicial.
De toda forma, estes filmes assumem uma gama de referências através de uma dinâmica muito mais direta, chegando ao ponto de citarem, direta ou indiretamente, filmes clássicos mais específicos.
Até existem longas que recusam esse flerte tão direto. Os Estranhos (2008), de Bryan Bertino, é uma obra que busca um minimalismo muito mais independente. Ou mesmo a franquia Uma Noite de Crime se baseia em premissas iniciais de um enfrentamento mais clássico com suas ameaças para, depois, se focar em um misto de terror e ação mais realista e contemporâneo.
Pânico não é somente uma franquia que se relaciona com o meta terror, mas é um filme sobre essa tendência. Ao se utilizar da marca Stab (a franquia dentro da franquia), o filme constantemente comenta tanto sobre o cinema de terror, como também sobre a cinefilia de terror.
Como o terror é um gênero que concebe uma cinefilia até mais engajada do que outras, toda essa dependência nostálgica e metalinguística dos filmes também tem forte relação com uma demanda do público.
A grande sacada de Wes Craven e Kevin Williamson foi propor filmes que comentam sobre isso não meramente com um simples fan service instantâneo, mas como uma série de obras que testa os limites do próprio gênero.
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UM FILME DE ALGORITMO
O maior erro dessa continuação, por sua vez, foi ignorar esse aspecto experimental. Ao invés de propor uma abordagem arriscada ou, simplesmente, uma abordagem própria, os cineastas tentam simular o olhar de Craven a partir dos 4 filmes anteriores.
É como se os diretores tentassem gerar um algoritmo dos filmes da série para descobrir qual seria a possível evolução natural de um quinto. Em uma franquia que, justamente para dar certo, precisa se distanciar desse pensamento automatizado, qualquer abordagem menos pessoal é fadada ao fracasso.
A premissa da obra até soa como algo que Craven faria. A abordagem irônica ao pós-horror, a concepção geral do que seria um requel e até mesmo a caracterização do grupo de suspeitos remete a uma elaboração de personagens que sairia da mente do diretor.
A grande questão é que tudo isso, quando posto em prática, parece mais um The Sims do que um filme. Tudo parece agir conforme um modelo preestabelecido que não tem vida.
Além da dinâmica geral da obra ser bastante truncada (o primeiro ato beira o entediante), todo o subtexto emocional é muito mal trabalhado. As possíveis cenas sentimentais com os personagens antigos parecem mais ensaios primários do que momentos que lidariam com um passado implícito intenso.
Existe algo de apático, uma sensação de que tais personagens estão apenas cumprindo uma função e não dentro de uma sequência que envolve um impacto dramático caro aos cineastas. Me remete até aos encontros nostálgicos forçados de um Vingadores: Ultimato (2019) da vida.
Os diretores, talvez até mesmo por receio, mantêm uma distância desses “personagens-símbolos” como se eles fossem seres intocáveis, como se toda a dinâmica deles viesse apenas dos anteriores e nada foi construído até ali. O filme tenta preservar essas imagens e usa o elenco clássico como uma espécie de mera participação especial sem um papel ativo.
Nesse aspecto, a morte de Dewey é uma falsa subversão. É um acontecimento totalmente isolado e até mesmo “fácil” que serve apenas para passar uma pretensa imagem de iconoclastia em relação aos filmes de Craven. Algo com o intuito de soar impactante que meramente tenta encobrir um filme bastante resignado.
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O FATOR WES CRAVEN
Até existem elementos no filme que possuem uma qualidade própria e não dependem totalmente do legado de Craven. Ou, pelo menos, partem desse legado para explorar um mero traço de uma dinâmica própria.
O clímax no hospital, por exemplo, talvez seja a melhor sequência do filme. Existe uma estilização mais específica com as luzes e os cenários que concebe uma atmosfera artificial interessante. E mesmo a morte de Dewey não funcionando conceitualmente, ela é abordada por escolhas estilísticas que soam cruas (a faca literalmente fatiando seu abdômen) ao mesmo tempo que remetem a uma ritualização implícita nas mortes filmadas por Craven.
Na cena em que um dos personagens, justamente chamado Wes, espera pela mãe em sua casa, existe também uma boa relação de iminência entre a ameaça do Ghostface e os ambientes à luz do dia.
O filme possui bons momentos isolados e até passa a impressão de que os diretores, se não ficassem tão presos ao legado da franquia, poderiam ter proposto algo mais criativo.
Mesmo que essa dependência e esse tom derivativo sejam propositais, a obra passa longe do timing precioso que Craven articulava entre paródia e seriedade para suas cenas fluírem tão bem. O filme fica muito longe de conseguir simular esse fator Wes Craven tão caro aos trabalhos.
Nessa continuação, tenho a impressão que apenas a paródia e a autoconsciência parecem presentes enquanto toda a dimensão dramática é ausente ou subdesenvolvida. Não existe uma tensão essencial entre as duas coisas.
Apesar da premissa da narrativa ser interessante e se justificar bem, a protagonista possui uma presença quase nula. Sendo assim, a potência do conflito com a irmã sofre para engrenar e as relações de Sam com os outros personagens soam protocolares. O filme é bastante engajado e ágil quando faz referências ao próprio imaginário, mas não propõe qualquer elemento de fascinação que vá além das suas sacadas.
Ainda que os filmes de Craven trabalhassem com personagens como “modelos”, ou até peças dentro de uma estrutura slasher, eles possuíam uma presença muito forte e aspectos pessoais que os definiam. As obras tocavam em uma ingenuidade que, apesar de toda a desconstrução, ainda preservava seu encanto.
Agora, até existem personagens interessantes – Myndy e Amber talvez são as únicas que se salvam com características mais próprias -, mas mesmo nesse caso nada é tão elaborado. Já Sam (a mocinha) e Richie (o namorado que se revela o vilão) soam como coadjuvantes alçados a um papel maior.
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UMA FALSA ICONOCLASTIA
Pânico (2022) quer tanto simular o olhar de Craven, porém, oportunamente, nunca é fiel ao lado realmente inovador do cineasta. O filme até passa a ideia de que irá quebrar alguns ideais sagrados da franquia (como a morte de Dewey), mas termina como algo meramente submisso às ideias dos criadores daquele mundo.
O filme lembra, no fim das contas, a pretensa desconstrução de Matrix Resurrections (2021) Outra obra de uma franquia famosa que, inutilmente, tenta ter uma vida própria.
O longa de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett só não é pior que o de Lana Wachowski porque não tem o cinismo esclarecidinho que tenta rejeitar o gênero só por birra. Estamos diante de uma obra que, pelo menos, oferece algo e assume os apelos do seu gênero, apenas está bem longe de apresentar o suficiente para uma experiência completa.