BERGMAN ISLAND (2021): Cinismo e leveza

Mia Hansen-Løve propõe uma variação de tons que enriquece os temas de seu filme

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A premissa de Bergman Island (2021) é relativamente arriscada. Ao focar seu filme na história de um casal de cineastas que passa uma temporada na Ilha de Faro, local em que Ingmar Bergman morou e filmou alguns dos seus célebres filmes, Mia Hansen-Løve corria o risco de fazer uma obra muito apegada às referências do diretor sueco.

Talvez o único modo dessa premissa um tanto quanto óbvia dar certo seria se utilizar das referências a Bergman ao mesmo tempo que se ironizasse todo esse entorno. É o que, felizmente, Mia Hansen-Løve faz. De certo modo ela até faz questão de dividir o filme entre duas realidades para conservar essa duas dimensões.

Na primeira dimensão ficcional da obra, com o casal de cineastas, nunca existe um tom dramático realmente confiável. Existe a crise e um subtexto de algo mais pesado – algo mais bergmaniano –, mas tudo é mediado por um misto de ironia e cinismo.

Uma ironia e um cinismo que envolve tanto os personagens (os filmes de terror de Tony, a sua figura como um diretor muito bem esclarecido e produtivo), a comunicação entre o casal, e também todo aquele espaço e pessoas que transitam por ali. O nerd estudante de cinema, caracterizado de modo bastante clichê, é um bom exemplo da abordagem mais espirituosa daquele espaço.

Consequentemente, essa parte do filme possui, até mesmo, alguns elementos de uma comédia bem inspiradora.

No segundo mundo do filme, com a personagem de Mia Wasikowska, até percebemos uma leveza no tom geral da narrativa, mas já existe uma dinâmica mais inocente (menos cínica) e “séria” que dita os rumos da história. O que inclui a composição do filme dentro do filme com elementos que  remetem diretamente ao cinema de Eric Rohmer.

A premissa mais ingênua, a natureza como um pano de fundo essencial do sentimento de amor e partilha, o uso das elipses. Até mesmo a caracterização e o figurino dos personagens remetem mais a Rohmer do que Bergman.

De certo modo, Hansen-Løve até rejeita a referência de Bergman nesses momentos do filme e se utiliza da paisagem da ilha para contar uma história dolorosa mas, ainda assim, sem a atmosfera sombria dos filmes do sueco.

No ato final, para além de toda a questão da metalinguagem com o filme que a personagem de Vicky Krieps está gravando, Mia Hansen-Løve oferece uma possível junção entre as duas realidades propostas.

Por mais que a filha do casal apareça pouco, a sua figura atenua todo o cinismo entre os dois e transforma a última sequência em um momento de afeto mais legítimo. Ou, pelo menos, transforma aquilo no que parece ser o único momento de afeto realmente legítimo envolvendo Chris e Tony.

Apesar das cenas dos bastidores das gravações do filme de Chris, nesse final do longa, começarem bem, elas acabam se tornando um pouco aleatórias. A relação ambígua entre Chris e o agora jovem ator soa como um elemento particularmente disperso.

De toda forma, é inegável o controle que Hansen-Løve tem sobre essa variação de tons do longa como um todo. A própria cineasta se coloca num lugar bem arriscado com essa premissa justamente pela sua obviedade. Ela acaba se saindo muito bem, especialmente nos momentos em que contrasta essas duas dinâmicas dramáticas que reforçam os temas de amor e a fragilidade de um companheirismo descompromissado.