Edgar Wright propõe uma renovação estilística do terror psicológico
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Noite Passada em Soho relata a história de uma estudante de moda em Londres que consegue passar algumas noites nos anos 60, onde tem encontros com uma aspirante a cantora que é explorada e assediada por seu empresário.
Ainda que o filme de Edgar Wright faça questão de preservar elementos narrativos clássicos do terror e do suspense psicológico, o cineasta apresenta uma visão estilística bastante contemporânea e dinâmica dessas convenções.
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A HERANÇA POLANSKIANA
Desde o início de Noite Passada em Soho fica bastante claro que Edgar Wright buscou uma referência direta no cinema de Roman Polanski. Seja pela temática comportamental da repressão sexual, seja pelo uso sugestivo do espaço alienante do apartamento como um lugar que incita fantasias sombrias.
Ao mesmo tempo que o filme demonstra um interesse em repensar vários aspectos visuais dessa e outras referências, já que propõe uma atualização formal de mão pesada nos elementos de fotografia e pós-produção, a obra também preserva uma visão bastante tradicional – e talvez até ingênua – sobre certas convenções do terror e do suspense.
O cineasta preserva, muito claramente, uma base essencial do suspense polanskiano no modo em que a opressão daquele ambiente ativa as visões de Eloise, no modo em que a personagem nunca tem controle sobre suas próprias ações e está sempre submissa às armadilhas daquele contexto.
Apesar da personagem possuir uma atitude independente, ela está sempre presa nos labirintos das tramas e em seus jogos visuais. O que a mantém muito longe de um modelo contemporâneo de suspense em que, muitas vezes, o protagonista é mais esperto do que a própria estrutura do filme.
O que também pode nos remeter, em algum nível, a Brian De Palma. Principalmente no sentido do longa estar mais preocupado em como essa dimensão da imagem vai capturando a percepção da personagem do que em uma profundidade psicológica mais verossímil dela.
Wright não tenta reinventar nada dessa dinâmica narrativa ou mesmo atualizar “moralmente” as suas premissas (o que parece uma escolha bem consciente e até arriscada nos dias de hoje) e se foca na renovação estética destas visões e pesadelos da personagem.
Qualquer leitura possivelmente feminista que o filme incita em sua premissa, por exemplo, cai por terra nas resoluções finais. O cineasta está mais interessado em perpetuar convenções clássicas nesse seu exercício de cinema de gênero do que em se alinhar a uma possível visão contemporânea mais desconstruída.
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MANEIRISMO: ENTRE O VELHO E O NOVO
Esse novo tratamento visual que o cineasta propõe para uma premissa clássica se baseia em um gosto pelo passado (até mesmo em uma cinefilia bastante evidente), mas, também, usa a tecnologia a seu favor.
O modo como o Wright concilia artifícios maneiristas mais básicos com efeitos especiais contemporâneos reforça muito bem essa ideia de uma renovação estilística que quer ser moderna enquanto é fiel às suas tradições.
A luz neon piscando no quarto de Eloise (artifício básico e “simples” que povoa tanto um imaginário noir como um imaginário maneirista dos anos 80) se converte em um elemento complexo nos momentos de duplicações e projeções dos dois mundos.
Quando Eloise vê Sandie deitada na cama, sendo obrigada a se prostituir, a luz neon vermelha mostra a projeção do passado no mesmo ambiente do presente. Uma sacada que parte de um elemento simples, porém o reforça dramaticamente com um efeito especial à Lights Out (2016).
O espelho, outro componente clássico que convencionalmente sinaliza uma desorientação psicológica, aqui se transforma em outro elo multifacetado que conecta as duas personagens.
Ainda que vários dos efeitos com os espelhos tenham sido realizados de modo prático na frente da câmera, o cineasta usa esses objetos como artifícios interdimensionais essenciais nessas “viagens no tempo” que a protagonista realiza.
O clímax final talvez seja o ápice dessa relação. Enquanto Eloise é perseguida pela agora vilã Ms Collins com uma faca, todo o ambiente se transforma em um espaço abstrato de luzes e objetos espelhados. O que era uma cena clássica digna de um Psicose se transforma em uma jornada lisérgica maneirista em um mundo virtual.
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PARA ALÉM DO ARTIFÍCIO NOSTÁLGICO
A melhor coisa do filme de Edgar Wright está nessa capacidade de evidenciar um apelo básico do cinema de gênero, se utilizar desse apelo de modo realmente tradicional, mas também se dar ao luxo de todo tipo de efeito e pirotecnia de fotografia, montagem e pós-produção para pensar em novas possibilidades sensoriais desses mesmos apelos.
Sem dúvida o filme acaba com uma cara de “Polanski hispter” devido a sua caracterização contemporânea que, simultaneamente, quer manter um pé no passado. Porém passa longe de usar o retrô como um mero artifício nostálgico e de fato repensa essas convenções a partir de ideias formais próprias.