Em trabalho que depende unicamente de sua figura, Clint Eastwood faz um filme sem uma força própria
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Neste seu mais recente filme, Clint Eastwood vive Mike Milo, um ex-astro de rodeio que viaja até o México para trazer Rafa, o filho de um ex-chefe, de volta ao Texas.
Desde o início de Cry Macho, a obra assume que irá funcionar devido a um legado que a imagem de Clint Eastwood carrega. O grande apelo aqui está muito mais na figura de Eastwood como um ícone do imaginário cinematográfico e cultural do que em algum elemento particular da obra.
É uma dependência que até lida bem com a reflexão do envelhecimento daquela figura e pretensamente daquelas ideias – existe até uma problematização moderna da macheza -, mas que está bem longe de sustentar um filme inteiro.
Uma vez que essas ideias são estabelecidas, o longa soa cada vez mais como um exercício de cinefilia que possui prazer em simplesmente contemplar a imagem de protagonista e diretor.
Uma abordagem saudosista que até tem a sua dose saudável e necessária de narcisismo, porém cria situações repetitivas que não vão muito além de confrontos mornos e momentos de autoafirmação relativamente genéricos.
Com certeza um dos pontos positivos de Cry Macho é a forma como o cineasta constrói um senso de comunidade a partir dos encontros na pequena cidade em que Milo e Rafa passam uma temporada. Existem cenas que expressam a força da comunhão familiar a partir de momentos singelos e delicados. O problema está na tipificação desse entorno.
Mesmo nos filmes dos últimos anos que dependem do peso e da deterioração dessa imagem do ator-diretor (A Mula, Gran Torino), existia um contraste mais complexo e mais minucioso com o ambiente à sua volta. Uma abordagem com a trama e uma caracterização mais cuidadosa com o entorno que gerava a crise de modo mais incisivo.
Agora, temos a sensação de que Clint Eastwood basicamente monta uma cidade cenográfica com personagens que reiteram as suas qualidades de modo muito mais óbvio. O que até funciona em momentos pontuais mas, novamente, não segura o filme todo.
Eu até gosto do fato do diretor resolver as cenas de “ação” da maneira mais fácil possível – e de ainda usar o galo oportunamente para resolver alguns problemas. Existe um tom espirituoso e até inconsequente com a realidade dramática que em certos momentos parece que será mais explorado e assumido, mas acaba ficando em um meio-termo que apenas soluciona as sequências.
Essa praticidade e essa falta de interesse pelo conflito mais direto podem até trabalhar como um comentário mais expositivo sobre esse momento de serenidade, sobre esse interesse em muito mais refletir sobre aquela figura do que propor uma crise de fato, mas no fim das contas isso acaba tornando o filme sem muita personalidade.