A LENDA DE CANDYMAN (2021): Contaminações do passado

Nia DaCosta usa dos contrastes entre o presente e o passado como premissa estética de seu filme

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A Lenda de Candyman (2021) é uma continuação direta do clássico do terror Candyman (1992). Além de narrar eventos que se passam quase 30 anos depois do primeiro longa, a obra de Nia DaCosta funciona como uma espécie de atualização conceitual e política do personagem concebido por Clive Barker.

Neste novo trabalho, ambientado em meio a uma gentrificação dos espaços do primeiro filme e com personagens que orbitam a cena artística de classe alta da cidade, o artista visual Anthony McCoy decide criar uma exposição sobre a lenda de Candyman. Aos poucos, os elementos misteriosos envolvendo essa figura do passado passam a afetar diretamente a vida do protagonista e dos que estão a sua volta.

A escolha estética da cineasta que mais chama atenção, logo de cara, é o modo como ela se aproveita dos espaços conceituais em que as cenas se passam (galerias de arte, apartamentos minimalistas com um ar hipster, o ateliê de Anthony) para lidar de modo bastante direto com as aparições do Candyman.

Mesmo que a premissa visual dos espelhos e reflexos torne as aparições um pouco mais ambíguas, a diretora usa muito bem o seu senso de escala em tais ambientes para evidenciar o horror em cena.

Visto que estes espaços conceituais tendem a ser vazios e “limpos”, o longa mostra muito bem um contraste entre espaços modernos e impessoais da atualidade com as marcas e vestígios mais específicos, consequentemente muito mais pessoais e particulares, que ficaram no passado.

Enquanto os conjuntos habitacionais antigos possuem sinais muito próprios (as paredes pixadas que Anthony contempla atuam como um mural pictórico espontâneo), os espaços contemporâneos são grandes, vazios e até mesmo irônicos se formos pensar em como algumas obras de arte são usadas como elementos dos cenários (a ênfase em um neon amarelo, durante um plano geral que se passa no que parece ser um museu em uma cena do meio do filme, é um bom exemplo dessa ironia).

Tudo isso funciona não apenas como um ótimo mote para contrastar o tempo histórico dos dois filmes, mas também para enfatizar a contaminação da lenda no presente.

As mortes e o sangue na galeria de arte em que ocorre a exposição de Anthony, no início do filme, é uma imagem síntese desse pensamento. O que antes era minimalista, impessoal e carregado de atitudes cínicas e blasé daquele contexto, se transforma em uma bela performance macabra.

Toda a unidade estilística da diretora, nesse sentido, funciona a partir desse contraste entre a realidade asséptica do presente e a contaminação sobrenatural do passado. 

A aparição do Candyman no apartamento da crítica de arte é outro momento em que isso é muito bem trabalhado: as lâmpadas do ambiente preservam uma iluminação chapada e sem vida que evidencia a figura soturna do Candyman em um corredor moderno e inexpressivo.

Apesar de algumas ideias da premissa me soarem levemente desorganizadas no ato final e a resolução parecer abrupta, gosto como Nia DaCosta resolve a última sequência. Mesmo nesse momento mais clichê de ápice dramático, o filme ainda dialoga com esse lado conceitual na abordagem de seus espaços e cenários.

As luzes pontuais da cena em que o policial atira em Anthony soam quase como uma peça de teatro. E o modo como o final se foca em poucos elementos (os policiais e os três carros) rejeita um lado mais apelativo dessa resolução e reforça o aspecto ameaçador da presença da polícia.

Curiosamente, o filme me lembrou muito o recente O Homem Invisível (2020) nessa relação entre os cenários e a ameaça. Tanto pela ameaça não se fazer presente a olho nu como pelo uso sugestivo dos planos gerais que lembra a decupagem de Leigh Whannell.

A Lenda de Candyman (2021) é um filme de terror que não se filia diretamente a tendências em voga do gênero e nem depende totalmente de seu antecessor, já que busca reimaginar sua lenda a partir da sensibilidade muito própria de sua diretora.