Em universo ultra estilizado, David Lowery enfatiza a experiência de descoberta de seu protagonista
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Baseado em um poema do século XIV que faz parte do ciclo de lendas ligadas ao rei Arthur e os cavaleiros, O Cavaleiro Verde (2021) narra a jornada de Sir Gawain após aceitar um desafio de honra e coragem proposto pelo ser misterioso que dá nome ao filme.
Apesar do filme de David Lowery nos apresentar a adaptação de uma obra muito específica, fica bem claro que o diretor está mais interessado em aspectos da percepção daquele imaginário, está mais interessado no modo como o protagonista se relaciona com aquele mundo fantasioso através dos seus sentidos, do que em definir uma estrutura narrativa convencional.
Além de uma abordagem que dá mais valor a aspectos sensoriais do que, exatamente, dramáticos, existem elementos na trama que reforçam a ideia de uma constante reestruturação narrativa. Algo que vai desde escolhas bem particulares de casting (como os dois papéis da Alicia Vikander) a até mesmo alguns eventos mais do que oportunos, como o reaparecimento misterioso do machado.
Escolhas criativas que são usadas para reforçar um aspecto alucinatório do filme e até mesmo para confundir um possível senso de realidade que nunca parece confiável.
Mesmo não me considerando grande fã de A Ghost Story (2017), longa do mesmo diretor que rapidamente ganhou um status de cult por sua relação conceitual com o gênero do terror, admito que uma das melhores coisas do filme de 2017 é a forma como Lowery consegue se distanciar de premissas dramáticas convencionais ao mesmo tempo que trabalha bem com uma perspectiva ambígua de tempo e espaço.
Um dos pontos altos deste O Cavaleiro Verde é justamente como o diretor propõe uma ambiguidade semelhante, porém rejeitando o minimalismo do filme de terror. Existe um virtuosismo na fotografia e na caracterização dos elementos de arte que não faz questão de se esconder. Pelo contrário, cada plano escancara as possibilidades estéticas minuciosas que o universo da lenda propõe.
A iluminação, que no universo da obra sempre brota de fontes naturais (luzes de janelas e velas, por exemplo) recorta os personagens de modo dramático e grandioso, quase teatral. Nas sequências no castelo do personagem de Joel Edgerton, em especial, existe um uso bastante marcante de contraluz que confunde os acontecimentos em cena.
Além dessas luzes de fontes naturais que, em última análise, nunca soam naturais (o resquício solar de uma janela é milimetricamente calculado), o uso dos efeitos especiais, dentro nessa concepção visual, vai pra um lado exagerado que também dialoga com essa dinâmica teatral e grandiosa.
A cena que mostra os gigantes remete mais ao CGI assumido de um jogo de Playstation do que ao CGI mais realista que boa parte do grande cinema busca nos dias de hoje. Mesmo a raposa que acompanha Gawain em parte de sua jornada possui um ar fake e virtual que se adequa a esse mundo estilizado de ilusões que a obra propõe.
Todos esses exageros, para além de um mero fetiche estético, funcionam bem dentro de uma possível lógica infanto-juvenil que o trabalho assume a partir da figura do protagonista. Mais do que um poema épico sobre coragem e honestidade, o tema do filme é centralizado na ingenuidade e deslumbramento do protagonista.
Nesse aspecto, O Cavaleiro Verde (2021) é uma espécie de filme da Disney arthouse. Um trabalho que possui um fôlego específico com as cenas mais lentas, os acontecimentos ambíguos e a fotografia “complexa”, mas a base de tudo é um personagem que não sabe lidar com as coisas e quer amadurecer.
A conversa de Gawain com o personagem de Edgerton em que ele mal consegue justificar a sua jornada representa isso bem. Logo, esses excessos visuais potencializam um encantamento muito franco por essas descobertas.
Talvez a lógica clichê de um diretor do “pós-horror” (ou qualquer coisa que caracterize essa geração A24) seria integrar uma seriedade a tudo isso. Lowery até faz isso no modo em que apresenta alguns elementos (no início do filme, parece que estamos diante de um novo A Bruxa) e em como alguns personagens se relacionam entre si, mas aos poucos o cineasta vai se dando algumas liberdades que reforçam tanto um aspecto mais espontâneo do seu protagonista como escolhas estéticas pouco moderadas que reforçam um fascínio ingênuo por aquele mundo.