MANK (2020): Humanismo piegas

MANK tem escolhas estéticas inventivas, mas não desenvolve bem o drama do seu protagonista.

 

Mank (2020) narra a história de Herman J. Mankiewicz, roteirista que ficou famoso, especialmente, por assinar o roteiro do clássico Cidadão Kane (1941) junto com Orson Welles. O longa de David Fincher se foca, especificamente, em polêmicas envolvendo a autoria do texto da famosa obra.

Apesar de ser um filme de época sobre o cinema, Fincher não tenta emular uma obra dos anos 30 ou 40. Inclusive a unidade estilística do cineasta reforça, justamente, o que existe de mais artificial nesse entorno: as sacadas nos diálogos, a pose dos atores, os cenários grandiosos, a natureza falsa na paisagem (a cena do zoológico particular é das que melhor assume isso).

Uma grande ironia na obra é que, ainda que o longa questione a autoria de Orson Welles sobre seu filme, Fincher se apropria de escolhas de linguagem que remetem muito ao diretor de Cidadão Kane.

A maneira como o cineasta estiliza as cenas, evidencia a grandiosidade dos cenários, intercala a decupagem entre planos próximos estilizados e planos gerais com alta profundidade de campo sem dúvida iria agradar Welles.

E ainda que essa abordagem visual seja muito bem trabalhada, eu sinto que o diretor deixa de lado algumas questões mais essenciais da encenação dramática. Me parece que esse tom assumidamente artificial e até maneirista não casa com o humanismo que o personagem de Mank deve passar para o drama evoluir.

O personagem até funciona muito bem em um tom cínico a partir dessas construções. Sem dúvida os melhores momentos são quando Fincher equilibra esse cinismo com a agilidade da decupagem. Mas no fim das contas é um protagonista que soa distante.

O longa vende essa ideia de alguém sensível e em crise, contextualiza esse lado humano de vários modos (o subplot político, a relação familiar do protagonista com as ajudantes), mas não consegue passar essa sensação de intimidade através da abordagem farsesca.

O personagem está sempre interpretando o papel do cara escroto que no fundo tem um bom coração, mas quando a dinâmica do filme depende desse lado humano e rejeita o cinismo, o filme perde a força

Ainda que David Fincher apresente uma abordagem estética bastante elaborada e, ironicamente, muito wellesiana, a obra não se desenvolve bem. No fim das contas talvez esse humanismo mais piegas realmente não seja a praia do cineasta, mesmo o fraco O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) já comprova isso. 

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