Ramon Porto Mota propõe uma jornada obscura entre a tecnologia e a angústia adolescente
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A Noite Amarela (2019) soa mais como um coming of age à David Lynch do que um filme de terror propriamente. Toda a elaboração imagética obscura do longa dialoga muito bem com o limbo adolescente que os personagens se encontram.
Um limbo que diz respeito tanto a uma inadequação social (os dramas pessoais de cada um, o fato deles não se encaixarem na dinâmica social da cidade que moram) como de um momento de mudanças que envolve a vida prática daqueles indivíduos (o fim da fase escolar, a ansiedade e o vazio envolvendo o Enem).
A obra de Ramon Porto Mota narra alguns momentos na vida de um grupo de jovens que, após se formarem no ensino médio, viajam até uma ilha remota. Com o passar dos dias e das noites nesse novo ambiente, as celebrações e brincadeiras, aos poucos, vão sendo interrompidas por sensações sombrias e lembranças reveladoras.
Apesar da premissa, pelo menos de imediato, remeter a um slasher (um grupo de jovens isolados em um ambiente sugestivamente ameaçador), o diretor acaba explorando um lado psicológico do horror que está diretamente relacionado às formas de expressão dos personagens no mundo.
Gosto muito da premissa inicial do trabalho e creio que, pelo menos nessa dimensão que lida diretamente com uma percepção sensorial do espaço e da imagem, o longa funciona bem. Existe uma unidade muito clara entre a pouca iluminação das cenas e uma estética peculiar das fotos e filmagens de celular que se intercalam durante a montagem. Uma estética que acaba evidenciando essa produção audiovisual pessoal e cotidiana tão comum no mundo contemporâneo.
Nesse sentido, a proposta do filme em criar uma fissura lynchiana entre o drama adolescente e o universo audiovisual de câmeras de celular é muito interessante. Toda a relação de estranheza e, ao mesmo tempo, de descontração que ele estabelece com os ambientes que os jovens adentram cria uma ambiguidade que parece ser a grande tônica da obra.
Temos a impressão de que algo muito violento e agressivo vai acontecer a qualquer momento naquela ilha (o aspecto das imagens e, principalmente, a construção sonora passa essa impressão) enquanto que, ironicamente, existe um tom de celebração e espontaneidade entre os personagens.
É uma pena que a articulação dramática em cena não siga a mesma elaboração da proposta audiovisual. É possível perceber uma clara diferença entre o tom dos atores e a atmosfera sombria que parece, realmente, proposital. Principalmente em como as vozes e as conversas coloquiais dos jovens se inserem de maneira indefinida nessas imagens obscuras. O que poderia, de fato, gerar uma ambiguidade ainda mais poderosa.
Mas a forma como o elenco se expressa e interage dentro de uma dinâmica realista que soa aleatória e sem uma direção definida, acaba, no fim das contas, atrapalhando parte da experiência sensorial que o filme oferece. Quando existe uma espécie de suspensão positiva de sentidos, quando o trabalho de fato se entrega a uma relação encantatória com os elementos obscuros que sugere, a atuação ou algum meandro dramático quebra essa potência.
As impressões centrais de Karina, a garota com o piercing que, aparentemente, é a protagonista, funcionam muito bem na exploração do tema central. E mesmo a atriz, por si só, tem uma expressão que se adequa perfeitamente à atmosfera que a narrativa apresenta. Os outros personagens possuem momentos interessantes (como a cena entre os três garotos a beira de um lago), mas que acabam funcionando apenas de maneira isolada na articulação narrativa principal.
Várias ideias de A Noite Amarela funcionam. Porém alguns elementos conceituais que, no início, soavam ricos, aos poucos vão se perdendo em pequenas sugestões espectrais aleatórias. Sugestões que, por si só, com certeza possuem um impacto interessante – tanto pela forma como o diretor repensa os formatos de baixa resolução a partir de um aspecto essencial da montagem como pelo teor teen existencialista da jornada – mas que não se fecham em uma unidade linear.
O filme apresenta uma ideia absolutamente estimulante ao refletir sobre essa dimensão audiovisual de uma experiência cotidiana que se confunde com a expressão de uma angústia implícita em certas fases da juventude, porém, na prática, fica no meio do caminho, já que explora bem o contexto plástico desse aspecto e desenvolve pouco o contexto dramatúrgico de modo geral.