Em suspense minimalista, diretor evidencia sua busca pela natureza primordial da encenação
Blind Date (1959) é um filme muito simples. Assim como boa parte dos longas da primeira fase de sua carreira, Joseph Losey está em busca de uma objetividade reveladora. Uma relação dramática que não passa por qualquer julgamento moral ou possível subtexto implícito e se realiza em um franco jogo com as evidências colocadas na tela. Sendo o já comentado O Fugitivo de Santa Marta (1950) um dos ápices mais gloriosos dessa relação.
Ainda que Blind Date (1959) seja, literalmente, um filme sobre as falsas aparências, o cineasta parte dos métodos mais aparentes possíveis para narrar a história de Jan, um jovem pintor acusado de matar sua amante.
Enquanto o protagonista espera por Jacqueline, a polícia anuncia a morte da rica e misteriosa mulher com quem Jan mantinha um relacionamento, revelando que seu corpo está no mesmo apartamento em que o personagem a aguardava. O espectador, que acompanhou Jan chegar naquele ambiente, compreende que o jovem dificilmente tem relação com o assassinato ali ocorrido.
Daí em diante o filme é construído sobre uma colisão entre dois olhares: o do jovem acusado e o do inspetor policial que o acusa. Boa parte do primeiro ato da obra se passa somente no ambiente do apartamento. Um local aparentemente inofensivo, mas que sutilmente vai se transformando em um cerco para o protagonista.
Joseph Losey, mesmo tratando de um mistério policial, não estiliza ou concebe ornamentos de praxe do gênero. O que está em jogo é uma realidade dramática, um confronto de teorias entre o protagonista e o antagonista que nasce puramente da encenação, da relação direta entre os atores e a câmera.
A decupagem formalista, que pode até soar impessoal em alguns momentos, encontra em uma dinâmica teatral com o seu espaço o procedimento ideal para esse conflito limpo. Jan e o policial vão de um lado para o outro em um cenário relativamente limitado: o ambiente ideal para essa clareza narrativa. A decupagem do cineasta rejeita qualquer leitura implícita na articulação dos planos. Esse não é um filme de pistas. Não existe nada a ser interpretado, apenas assimilado rigorosamente.
Mesmo quando Jan passa a contar como conheceu Jacqueline, os espaços dos flashbacks são simples. Uma galeria de arte vazia. Um apartamento comum e desabitado em que o jovem pintava. Ainda que a história, aos poucos, vá se tornando complexa, todo o minimalismo visual é preservado. A contextualização rejeita qualquer símbolo predominante. Todas as partes (a forma e o conteúdo) se comunicam igualmente a partir de uma harmonia do relato.
É incrível como, derivando desse jogo científico entre o relato (os flashbacks) e o fato (a morte de Jacqueline), o diretor consegue criar um constante jogo de ambiguidades. Nunca separa Jan e o policial em uma simples dualidade de intenções boas ou ruins. Mas nivela os dois numa dimensão igualmente humana. Assimila, inclusive, uma mesma perspectiva social que os engloba: o policial é pressionado por seus superiores, Jan é um artista pobre filho de mineiros. Em dado momento, a relação de classes – elemento comum em várias obras de Losey – surte um efeito que redireciona a narrativa. Nunca de maneira meramente ilustrativa e sim como parte inevitável daquela realidade
Essa empatia entre os dois faz com que o policial passe a dar o mínimo de crédito ao rapaz e, logo, descobrimos que todo o mistério não passou de uma farsa envolvendo a própria Jacqueline. As viradas de roteiro são tratadas, igualmente, sem grandes alardes. Apesar da evidente entrega dos atores – Hardy Krüger é sempre intenso em seu relato, porém nunca melodramático – o tom do filme se mantém equilibrado. O suspense existe, mas nunca como uma insinuação histriônica ou uma projeção formal estilística mais evidente (como em Alfred Hitchcock, por exemplo)
Em texto sobre Joseph Losey publicado na Cahiers du Cinéma, Jean Douchet define o cinema do diretor como uma arte de laboratório: no lugar de uma estilização ou uma visão de mundo, o cineasta apresenta uma apreensão universal das coisas e das pessoas como elas são, da experiência vivida em condições laboratoriais. Segundo Douchet, Losey restitui à câmera sua função original de instrumento científico.
Blind Date (1959) é dos trabalhos que mais evidencia essa lógica primitiva do diretor. Um rigor que menospreza qualquer excesso dramático ou formal e se foca na natureza essencial da mise-en-scène. Uma encenação mínima para revelar o máximo.