Clássico oitentista recusa qualquer discrição em abordagem violenta e imoral
Um Policial Acima da Lei (1988) remete a vários elementos de cinema de gênero, em especial o noir e o filme policial clássico, porém o longa de James B. Harris nunca se limita a uma ideia de mera filiação. O diretor lida com os aspectos imorais de tais tradições de forma inconsequente e centraliza esses elementos em seu protagonista: um homem que age pelo mais puro impulso.
James Woods vive Lloyd Hopkins, um policial que atua por conta própria. Após encontrar o corpo de uma garota em uma investigação, o personagem passa por cima de tudo e todos para resolver o caso de um serial killer em Hollywood. Durante o filme, absolutamente todos os elementos giram ao redor de Hopkins e o resto do mundo opera como um meio para qualquer fim que ele considera necessário.
Nesse sentido, o protagonista mal possui uma personalidade. É um corpo tomado pela sua função na essência mais primitiva que isso possa ter. Uma entidade sem freios que, articulada com a força performática de Woods – a característica expansiva e histérica do ator que, definitivamente, estava em seu ápice mais glorioso – concebe um filme cruel e absolutamente singular.
A maneira que o trabalho banaliza a morte e a violência possui uma força explícita e gráfica que não abre concessões: em uma das sequências mais marcantes, o personagem de Woods mata um suspeito simplesmente porque ele abre a porta do seu carro de forma abrupta. O filme lida com situações brutais de maneira corriqueira e assume suas sujeiras sem grandes alardes. Ainda assim, não estamos diante de um filme exatamente trash, mas uma obra ríspida que ao mesmo tempo que romantiza sua brutalidade (Lloyd Hopkins é um homem cínico de frases de efeito e que adora uma grande entrada) evidencia sua crueldade de maneira realista.
Essa recusa por qualquer ambiguidade faz de Um Policial Acima da Lei (1988) um dos trabalhos mais materialistas de sua época. Em um período em que o cinema estava repensando seus códigos (o maneirismo da década de 80, a reciclagem dos gêneros), James B. Harris dispensa qualquer acessório e produz um filme indiscutivelmente direto.
Apesar de existir uma ritualização das mortes (os corpos são encontrados em posições provocativas, o assassino deixa uma mensagem em um espelho), a obra recusa qualquer distância ou arsenal de signos de filme policial para mediar suas escolhas estéticas e narrativas. Só o que é físico, concreto e imediato importa. Todo o contexto psicológico é ignorado ou, literalmente, desprezado.
O personagem desconsidera a própria família. Engana e usa uma poeta feminista por interesse próprio. Trivializa todas as questões de civilidade em benefício não exatamente da justiça, mas por um característico gosto pelo sangue e prazeres instantâneos. Todas as instituições (familiares, políticas, morais) são relativizadas e rejeitadas. O filme faz de Lloyd Hopkins o portador de uma crise universal que expõe um mundo individualista obcecado por resoluções pessoais em todas as dimensões.
Ao mesmo tempo que o policial resolve o caso e, de fato, se empenha em toda a investigação, ele busca uma distração e um entretenimento: transa com uma possível testemunha, diverte-se com seus métodos poucos ortodoxos, ironiza com um humor ácido as situações que vive.
A cena final com certeza é uma das sequências que melhor evidencia esse prazer sem juízo pela resolução imediata das situações. Após descobrir a identidade do assassino, Hopkins vai sozinho ao seu encontro, ignora qualquer senso de justiça e executa o homem entonando uma frase de efeito que fecha o filme.
Um Policial Acima da Lei (1988) é um filme cru e direto. Repugnante em seu descaso por qualquer centelha humanista, mas estimulante em seu desejo por um cinema físico livre de qualquer convenção.