Damien Chazelle abusa de efeitos estilísticos para ocultar inaptidão dramática
Desde o início de O Primeiro Homem (2018) fica claro que Damien Chazelle não está interessado em um filme biográfico padrão. O cineasta tenta transformar o roteiro – que conta a história de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua – em uma experiência de sentidos.
Os acontecimentos são narrados através de uma construção visual que ao mesmo tempo que simula as imagens históricas da Nasa (um 16mm contrastado e granulado), articula uma dimensão poética peculiar. O cineasta parte, pretensamente, de um anti-artifício – recusa o formalismo de Whiplash (2014) e o acabamento brilhoso de La La Land (2016) – para atingir uma dimensão humana e espontânea daquela história.
Os closes, a câmera na mão, a atuação intimista. Existe uma liberdade que procura assimilar o seu meio através desse equilíbrio entre a efemeridade cotidiana (a vida íntima e doméstica de Armstrong) e a gravidade das situações que sua profissão o coloca. Uma abordagem que rejeita a construção mítica da figura do astronauta e se foca em um jogo sensorial e sentimental para desvendá-lo.
O caso é que, no decorrer da narrativa, esse hipotético anti-artifício, ironicamente, se converte em um artifício: A pegada documental-sensorial descamba para um realismo genérico que remete até mesmo aos vícios de um Paul Greengrass, especialmente nas cenas mais corriqueiras em que a abordagem se perde em uma câmera trêmula e efeitos de zoom aleatórios. A atuação tímida de Ryan Gosling, possivelmente uma característica que marcaria a persona fechada e misteriosa de Armstrong, torna o personagem inexpressivo e até mesmo impessoal.
Nas cenas de maior tensão, o que salva o filme é o arsenal de efeitos de Chazelle (a concepção pictórica, o trabalho sonoro, o jogo de luzes) do que a construção propriamente dramática.
A personagem da Claire Foy é das poucas onde a naturalidade poética proposta tem algum resultado. A relação minuciosa dela com o espaço (mesmo o ambiente da casa) se alinha com a peculiaridade da atuação que a atriz entrega. Já quando Gosling está em cena, o que conta é essa construção perceptiva do mundo: o franco jogo de efeitos. Nos momentos de apreensão dentro das naves ou nos testes de voos, o filme se desdobra em uma relação sinestésica, tenta dar conta formalmente daquela iminência, enquanto o ator serve, simplesmente, como modelo.
Mesmo que O Primeiro Homem acredite nessa construção perceptiva do mundo e ainda que ela funcione em alguma medida – e, de fato, ela até funciona, as cenas no espaço e a iminência que envolve os acontecimentos são bem caracterizadas dentro dessa aproximação estilizada – o trabalho não dá conta da sua pretensão narrativa como um todo.
O filme idealiza uma espécie de redenção do personagem – algo que parece relacionado à morte de sua filha. Integra isso na sua construção afetiva. Mas lhe faltam os meios para expressar as consequências e os apelos francamente dramáticos disso. Mesmo que essa lógica da sugestão seja bastante conveniente, e conceitualmente compreensiva, para uma obra que rejeita o heroísmo e a mitificação, não existe possibilidade de desmitificação em um procedimento que despreza o caráter humano, que faz disso um simples recurso apropriado para o seu tema e não uma possibilidade de real desconstrução.
Para um filme tão preocupado com essa oposição entre a dimensão individual (Armstrong) e a extensão coletiva (tudo o que a corrida espacial representou para os EUA), O Primeiro Homem faz de tudo para se ater a um arsenal de efeitos sempre muito seguro. Incorpora uma espécie de maquiagem. Oculta sua clara inaptidão dramática com proposições implícitas fáceis (a existência de Gosling como mero modelo em um universo onde a forma reina) e um carregado jogo de recursos visuais (a estética vintage, o realismo pseudoimpactante).
O filme de Chazelle busca uma finalidade clássica que, em sua teoria, é animadora, já que vislumbra uma articulação narrativa que claramente parte do choque essencial entre seus personagem e o mundo. Estabelece uma jornada de desilusão e aprendizado que remete até aos seus filmes anteriores. Mas se perde ao tentar resolver tudo por uma cosmética que torna aquelas experiências artificiais e, até mesmo, simplesmente sem vida. O problema não é nem o fetiche estilístico, mas a acomodação desse jogo. A inércia que se preocupa apenas com o mero impacto imediato e nunca elabora o seu tema para além das possibilidades do que é aparente.