Bradley Cooper harmoniza melodrama e realismo em releitura contemporânea
Apesar de Clint Eastwood não ter dirigido Nasce Uma Estrela (ele era o diretor original do projeto), o longa possui uma construção narrativa que lembra muito o experiente realizador. A abordagem de Bradley Cooper remete diretamente a uma atual característica eastwoodiana: localizar o clássico através de uma abordagem realista.
Baseado no filme de 1937, o longa narra a jornada de um experiente cantor e seu encontro com uma jovem talentosa. Enquanto a carreira de Aly (Lady Gaga) deslancha, Jackson (Bradley Cooper) se afunda em uma espiral de autodestruição.
A direção de Cooper pode não ter uma identidade lá muito bem definida, mas a forma como o ator e diretor media o melodrama através de uma abordagem relativamente crua é o grande mérito do filme. Mesmo partindo dessa aproximação direta e assumindo os efeitos inevitavelmente contemporâneos disso – os ótimos planos sequências durante os shows, o jogo de proximidade com os corpos, a liberdade formal de um modo geral – Nasce Uma Estrela se mantém fiel ao ideal clássico que reverencia.
O primeiro ato (sem dúvida o momento mais forte do filme) é bem revelador dessa oposição possibilitadora entre melodrama e realismo. O filme assume o formato musical como investigação de uma identidade norte-americana fundamental ao mesmo tempo que se localiza em um contexto evidentemente contemporâneo.
A sequência com Aly e Jackson no estacionamento é das mais sugestivas nesse sentido. Não existe um cenário neoclássico artificial à Gene Kelly, já que não estamos no campo da homenagem maneirista de um La La Land (2016), mas um espaço que assume a sua peculiaridade impessoal: a fachada ultra luminosa (espetacular ao seu modo) de um supermercado. O clássico não é mero acessório referencial, mas a estrutura essencial da obra. Mais do que prestar tributo a um formato, Cooper usa dessas bases para potencializar uma história atual.
Quando Jackson insiste na ideia de que uma música são sempre doze notas entre uma oitava, a obra autoevidencia essa alusão atemporal: uma mesma estrutura (no caso, literalmente, a estrutura dos filmes originais no qual o roteiro é baseado) dentro de um olhar contemporâneo que rearranja tanto sua forma (a recusa por um formalismo) como sua temática (a assimilação iconográfica pop ao redor de Aly e a consequente crise que isso gera).
Toda essa unidade, infelizmente, se perde um pouco no decorrer do trabalho, já que o filme tem bastante dificuldade em lidar com suas passagens de tempo. O miolo da obra se desorienta entre acontecimentos pontuais que soam arbitrários e até pouco naturais, especialmente no que envolve a ascensão da carreira de Aly. Porém, essa natureza ríspida no trato com a cena conserva belas sequências.
A cena do suicídio de Jackson, por exemplo, é registrada com uma austeridade muito peculiar. O trato cru com a luz e o enquadramento remetem até a algumas imagens de The Brown Bunny (2003), de Vincent Gallo. Uma simplicidade que se transforma em comoção bruta. O drama que nunca é mediado por uma estilização óbvia (o filme rejeita isso em todos os sentidos), mas estabelece uma relação espontânea muito forte com o momento presente. Forja o seu melodrama a partir desse vínculo direto com a cena. Na despedida de Jackson e Bobby isso também é claro. O cantor sai do carro enquanto a câmera (outra vez, sem qualquer grande artifício) registra o rosto do irmão emocionado que dá ré na camionete.
Cooper está sempre interessado nessa proximidade. O filme renega qualquer intervenção artificial que vá além de uma relação direta com a câmera. Faz dessa relação objetiva o seu principal apelo.
Mesmo no primeiro encontro entre Aly e Jackson isso é evidente. Existe uma espontaneidade que assimila tanto o jogo dramático (o despojamento dos personagens, a naturalidade das suas ações) como a estética bruta dos espaços (do supermercado ao bar de drag queens). Uma luminosidade que até funciona como artifício fotogênico, mas nunca se constitui de uma essência ilusória. Integra-se em um cotidiano espetacularizado por si só. Outra vez, o clássico que rejeita um idealismo e incorpora o seu ambiente como ele é.
Nasce Uma Estrela não cai na tentação – cada vez mais comum em certo cinema de releituras – de resolver suas reverências por meras sugestões artificiais, mas tem gosto em se colocar nesta posição de um melodrama assumido. Alguns excessos funcionam, outros não. Contemplar esse movimento já vale a experiência.