O registro documental limitador de O PROCESSO (2018)

Diretora escolhe abordagem segura em documentário despersonalizado

O Processo (2018) é um filme que não faz muita coisa. E se formos pensar na filmografia de Maria Augusta Ramos, este bem poderia ser o objetivo do documentário. Conservar um olhar distanciado e propor a radiografia de uma situação que fala por si.

Assim como nos filmes de Frederick Wiseman, a diretora, até certo ponto, se apaga em prol das circunstâncias que pretende registrar.

Um filme como Juízo (2007), da mesma Maria Augusta, concebe um dispositivo poderoso nesse procedimento. Ao registrar a trajetória de menores infratores, o longa atesta uma conjuntura institucional de forma sóbria ao mesmo tempo em que faz daquele contexto um meio expressivo que é denunciante em si mesmo.

O longa de 2018 segue os resultados da crise política que levou Dilma Rousseff a ser destituída do cargo de presidente a partir de um golpe institucional.

Mas o que poderia ser uma obra que vai além de uma imaginário já estabelecido tanto pelo poder midiático como pelos discursos ideológicos que circundam o fato, acaba por apenas reiterar o óbvio. Define-se os vencedores e os perdedores, os injustiçados e os vilões, e o filme trabalha numa perpetuação narrativa que não possue qualquer personalidade.

Enquanto um diretor como Frederick Wiseman – para continuarmos numa aproximação familiar – busca, justamente, as brechas reveladoras de um contexto, os pequenos atos significativos nos entretempos do episódio ou ambiente que escolhe observar, a cineasta brasileira está mais interessada em uma espécie de resumo de atos da TV Senado.

Mesmo quando o filme se foca na cúpula do PT e deixa de lado os embates desgastados na comissão de impeachment, existe uma repetição dos mesmos fatos. Não deixa de ser interessante a consciência da derrota de Gleisi Hoffmann e toda a sua serenidade na articulação de uma posição. Esse fazer político muito pleno das suas ações simbólicas. Mas é um pouco decepcionante nos darmos conta de que, com todo o acesso que Maria Augusta teve, a realizadora escolheu narrar tudo justamente do lugar mais seguro possível.

Até existem alguns momentos mais francos que dão certa vida à estrutura ultra engessada do filme. A sequência noturna em que os petistas caminham pelo congresso, indo de um prédio a outro enquanto a câmera registra boa parte da caminhada, propõe uma trivialidade interessante Ou mesmo alguns momentos mais banais, porém significativos, na reunião de Gleisi e seus aliados, instiga um interesse. Mas é tudo muito pontual e o filme logo retorna a sua disposição limitadora.

No fim das contas, o mais decepcionante é perceber como o filme não se arrisca. Prefere se ater a uma narrativa previsível onde o problema não é nem a sua parcialidade ideológica, mas a falta de singularidade em retratar isso.

O Processo (2018) é um filme muito mais devotado a perpetuar uma dualidade – a caricaturização já mais do que banal de Janaína Paschoal é o ponto alto dessa manipulação fácil – do que em propor qualquer abordagem mais particular das suas circunstâncias.

Para um filme que pretende, de certa forma, humanizar a injustiça sofrida pelo Partido dos Trabalhadores. Ou, ao menos, justificar com os devidos fatos os interesses que possibilitaram o impeachment, sua realizadora, ironicamente, não passa de mais uma burocrata.