DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR (2017): Vivendo no presente

Claire Denis concebe uma relação franca e direta com o drama.

Diferente de boa parte de seus outros filmes, Deixe a Luz do Sol Entrar (2017) é uma obra onde Claire Denis propõe uma abordagem muito mais direta com a sua narrativa. Uma aproximação franca da sua personagem e da relação dela com o seu entorno.

Juliette Binoche interpreta Isabelle, uma mulher que não possui um drama específico, mas vai vivendo sua vida entre decepções e realizações. Uma personagem de relações muito imediatas com o seu meio – vive sem meias palavras. E a maneira que a diretora encena isso é também muito direta e imediata; preza, inclusive, por uma relação sem as estilizações características do seu cinema.

Apesar de Claire Denis estar acostumada a estilizar o plano, a fazer da relação do quadro com o corpo uma espécie de simbolizante – sendo O Intruso (2004) um dos ápices dessa desconstrução -, Deixe a Luz do Sol Entrar é um trabalho que recusa essa abordagem.

Estamos diante não de um filme que media o que está a sua frente, mas, pelo contrário, concebe uma relação muito imediata com a cena. Além do drama se relacionar com questões muito habituais do cinema narrativo, flertando inclusive com a comédia romântica, a decupagem da diretora busca um propósito mais espontâneo.

Entre planos abertos muito bem dispostos e uma steadycam que flutua elegantemente pelos espaços, a mise-en-scène de Denis parece buscar uma assimilação até mesmo clássica. O que poderia soar entediante vindo de uma realizadora conhecida, justamente, por suas subversões, mas que é integrada de forma absolutamente fascinante.

Em uma cena no início do filme, quando Isabelle e um de seus amantes estão em um bar conversando corriqueiramente, a diretora registra tudo de forma que, em um primeiro momento até pode soar muito simples, mas é minuciosa na sua elaboração. Existe um jogo de gestos e olhares entre os dois – uma aura subliminar nas suas presenças – que a câmera capta com lucidez sem igual.

E se por um lado o vínculo direto com a cena parte de uma abordagem mais clássica, a estrutura geral do filme acaba submetida a um jogo de elipses muito imprevisíveis. O elemento mais poderoso da obra acaba sendo essa tensão: sequências até certo ponto despojadas (ainda que absolutamente elaboradas dentro dessa perspectiva tradicional) dispostas em uma condição de acontecimentos inesperados e até um pouco aleatórios.

Ou seja, apesar de uma pegada um pouco mais prática, o filme experimenta muito com a sucessão de eventos e a maneira que articula seus entretempos. É como se cada sequência fosse um pequeno núcleo dramaturgicamente muito realista, porém dentro de corpo que constantemente se reestrutura.

Para além de uma simples abordagem trivial, Deixe a Luz do Sol Entrar é um obra que desafia tradições. Evidencia uma herança clássica, porém dentro das particularidades que uma diretora do porte de Denis tem a oferecer.

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